Sobre os “amigos” virtuais

Nada irrita mais do que a intenção do outro de sair do jogo, pois tropeça no que sou”, Lacan.

Convenientes. Nossos “amigos” virtuais são, na verdade, caquinhos de vidro que refletem nossa escolha objetal narcísica. Quero dizer com isso que nos amamos através do que é semelhante. Lacan vai dizer que na experiência do espelho o sujeito se identifica com uma ilusão. Pois se descartamos, com a maior facilidade, o diferente… Ele tinha razão. Não somos tolerantes. Até quem prega como bandeira a tolerância, não é.

As redes sociais, ao contrário do que imagina nossa vã filosofia, estão cheias de pequenos reflexos de nós mesmos. Ao encontramos um pontinho diferente no meio da cristalina couraça que separa o real e o virtual logo eliminamos. Somos traidores, assassinos frios e cruéis. Quando alguém contraria o que dissemos… Basta um clique e pronto. Fim da linha daquele sujeito no meu ideal de ego, ou melhor, de mundo virtual.

A rede social não pode ser chamada de comunidade (como diria Baumann). Numa comunidade real (fora do virtual) não podemos eliminar quem é contrário às nossas convicções. Mas, numa rede virtual sim. Apesar de não termos critérios para as “amizades” vamos para o segundo, terceiro… Quanto mais perfil, mais seguidores, mais curtidas, melhor.

Agora, outro problema vem com o uso de uma ferramenta em rede: a falta de privacidade. O controle sobre quem bisbilhota é ilusório. O sujeito que nada numa nuvem de selfies ainda se permite fantasiar sobre privacidade. É, no mínimo, estranho.

“Minha rede social não é pública”, sic. Parece piada, mas muita gente diz isso. E sobre a rede, se é social… É pública! Ou não se publica, ora bolas. Os termos de privacidade são meros protocolos burocráticos que não servem para bulhufas.

Quer outro exemplo: “Postei um pensamento que achei bacana. Um babaca qualquer tinha que comentar contra”. Tinha. Aliás, se não tem como sustentar sua opinião numa comunidade quem tem que sair dela é você.

Chego à conclusão que os novos veículos de mídia não só servem para promoção pessoal, mas para alimentar a onipotência perdida na infância. Conceitos psicanalíticos nunca foram tão úteis quanto agora. Só perdem para o Google.


Roney Moraes

Psicanalista; Especialista em Saúde Mental e Dependência Química; Mestre em Filosofia da Religião; Doutor em Psicologia (Dr.h.c); Doutorando em Psicanálise (Phd); Analista Didata da Escola Freudiana de Vitória (Acap); Ex-presidente e membro da Associação Psicanalítica do Estado do Espírito Santo (Apees); Coordenador do Centro Reviver de Estudos e Pesquisas sobre Álcool e outras Drogas (Crepad); Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL).

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