RELACIONAMENTOS: EFEITO BORBOLETA

Nossa vida é relacionamento. Por menos que percebamos, estamos nos relacionando, estamos em um movimento de relação com uma coisa ou outra. Relacionados com o passado ou com uma projeção futura. Para entender como nos relacionamos, precisamos entender como a mente funciona.
Ela cria imagens. Cria imagens para si mesma e para os outros. É assim que nos relacionamos. E por que criamos imagens para nos relacionarmos? Seria por que ao nos encaixarmos em modelos e padrões nos sentimos seguros? A mente sempre está em busca de segurança.
Vivemos padrões sem nem perceber. Nós mulheres menstruamos, isso é natural, no entanto nos ensinam que tem alguma coisa errada com a gente, nos ensinam a olhar a menstruação como um vilão a ser combatido. Somos cíclicas, mas ninguém nos diz isso. Muito menos que é natural ser assim. Aprendemos com a sociedade que temos que ter sempre o mesmo humor, a mesma disposição; aprendemos que não é “normal” ter oscilação de humor, diferente disposição, que é preciso regular para um padrão estabelecido como normal.
Fazemos isso com quase tudo. Compartimentamos, enquadramos coisas naturais como erradas.
Ninguém quer ver que as pessoas mudam o tempo todo. Não nos mostram que é assim que somos, que é essa a nossa natureza. Perpetuamos os modelos para nos sentirmos seguros e nunca os questionamos. Fazemos isso com os nossos pares e usamos os modelos como argumento para justificar nossas atitudes. Fazemos de tudo para encaixar nossos relacionamentos nos modelos que figuram.
Relacionamento não é só um par amoroso. Não é só estar em relação com o seu círculo de relacionamentos mais próximo, como amigos, família, pessoas do trabalho. É estar em relação com os estranhos da rua, com o bairro, com a cidade, com o país e com todos os outros países. Relacionamento é como nos movimentamos na vida e nos relacionamos com ela. É saber que somos humanos e que por isso temos escolha de como nos movimentarmos no mundo.É questionar como afetamos e somos afetados por nossos hábitos, modelos e padrões.
Partilhamos tudo, mas nos comportamos como se estivéssemos sozinhos.
Não pensamos em como nos afetamos uns aos outros e somos treinados a pensar somente em nós e no nosso círculo de relacionamento mais próximo. Como se pudéssemos evitar nos relacionar com o resto do mundo e não fôssemos afetados pelos outros.
Os outros, os desconhecidos, não importam. Somos treinados a pensar no nosso bem-estar e da na sua família, a nos proteger do outro. Levamos ao extremo o que disse Sartre: o inferno são os outros. Mesmo assim, querendo ver ou não, somos claramente afetados pelos outros. Se alguém resolver estourar uma bomba onde eu moro, isso vai me afetar, é óbvio. Mas é difícil enxergar que se soltarem uma bomba longe de mim, num outro país, isso também me afeta.
Não temos como mudar de mundo.
Não temos o hábito de questionar as escolhas que fizeram por nós ou que fazem por nós. Ainda que os modelos em operação mostrem claramente que não funcionam mais, nos agarramos a eles, tentamos modificar alguma coisa aqui e ali para continuarmos exatamente como estamos.
O mundo que vivemos nos exige que façamos escolhas definitivas, é mais fácil que sejamos assim, que não questionemos esses modelos. Assim garantimos o futuro da nação: casaremos, trabalharemos para comprar uma casa e adquirir bens para sermos felizes. Planejaremos a vida de nossos descendentes, pagaremos escolas, previdência, seguros, roupas, faremos a economia girar. Lutaremos por nossos países. O outro que está do outro lado do mundo não me interessa, a não ser que ele faça algo que eu não queira, daí, ele vira meu inimigo e precisará ser combatido.
Criamos imagens dos outros, de nações inteiras e nos relacionamos com essas imagens. Não vemos, ainda que seja óbvio, que quem inventou a divisão dos países, das pessoas, fomos nós.
Temos orgulho de nos definirmos como brasileiros, cristãos, etc. Essa imagem criada traz uma espécie de segurança, de pertencimento. O pensamento cria os símbolos e adoramos esses símbolos, mas na verdade o que estamos adorando somos nós mesmos. Adoramos a nossa própria criação. Fazemos isso também com as pessoas que nos relacionamos. Criamos rápida ou lentamente uma imagem daquela pessoa e nos relacionamos com a nossa criação. Essa imagem é baseada no passado, na nossa memória. Memória essa condicionada. Nunca nos relacionamos com alguém de verdade, mas com a nossa própria criação.
Nunca nos olhamos, nunca nos perguntamos se podemos nos livrar desses hábitos.
Não nos sentimos responsáveis por nós mesmos, achamos que não podemos vencer qualquer hábito, qualquer condicionamento, por isso, culpamos nossos pais, a sociedade, o papa e o guru.
Na verdade somos todos humanos compartilhando o mesmo planeta.
Deneli Rodriguez.
08.11.2017.


Deneli Rodriguez

Pensadora, escritora e artista. Menção honrosa Itaú Cultural com seu texto "A Menina Iluminada". Concorrente aos prêmios Oceanos e Kindle de literatura. Livros: A Menina Iluminada e A Buda. Filmes: Charlote SP, primeiro longa metragem brasileiro filmado com celular, dirigido por Frank Mora; e Deneli, curta metragem vencedor de prêmios internacionais dirigido por Dácio Pinheiro.

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