Imposto de Prejuízo

Parece piada de Dia da Mentira, mas é a mais pura realidade.  O ano mal começou, e já estamos quase em Abril! E junto com o quarto mês do calendário gregoriano, chega também o fatídico prazo do imposto de renda para habitar nossa já atolada lista de afazeres.  E mesmo competindo com a vacina da H1N1, que também se faz necessária nesta época do ano (e com o pânico que meus filhos têm de injeção), o IR consegue, ainda assim, ganhar o solene prêmio do item mais abominável da minha lista. Aquele que certamente irei procrastinar até o último momento possível.

Como se já não bastasse ter que entregar quase um terço do meu suado salário para um Estado que em (quase) nada me retribui, ainda tenho que perder preciosas horas da minha vida para declarar tal absurdo.  Acho que faria mais sentido o governo fazer uma declaração confirmando recebimento e agradecendo a quantia recebida religiosamente todos os meses, e talvez ainda se desculpando por não conseguir garantir que ela tenha sido usada para causas nobres e nem ao menos para o bem público.  Mas cesso o devaneio, entro no site, baixo o programa e me lanço à torturante tarefa.

O site da Receita diz que o programa deste ano foi simplificado, mas logo me deparo com um menu com mais de cinquenta páginas, que por sua vez se ramificam em centenas de subpáginas.  Dá pra imaginar se tivesse se tornado mais complexo? Respiro fundo, entoo um mantra, penso que pelo menos outras vinte milhões de pessoas passarão pela mesma via-crúcis e começo tentando encontrar algum sentido entre palavras desconexas como DARF, espólio, ônus e tributação exclusiva. Penso que seria bem mais fácil se o programa fosse traduzido para seres humanos. 

Decido preencher por exclusão.  Atividade Rural.  Esta parte eu tenho certeza de que posso deixar em branco.  Não tenho estoque de suínos, bovinos, bufalinos, caprinos, ovinos, equinos e muito menos de asininos e muares, mesmo que não faça a menor ideia de que espécies são estas.  Fico curiosa para entender como se faz este complexo controle de movimentação de rebanho, tendo que preencher desde estoque e aquisições até nascimentos, consumo e perdas.  Quase ligo para uma amiga fazendeira para perguntar (e para prestar minha solidariedade), mas decido me concentrar, afinal cada um com seu cada qual. 

Passo para a próxima página: Ganhos de Capital.  Em um ano no qual a economia derreteu mais rápido do que picolé no deserto do Saara, acho um tanto irônico este nome. Seria mais adequado renomeá-la para Perdas de Capital, pelo menos temporariamente.  Sortudos aqueles que conseguiram vender seus bens e imóveis, mesmo que sem ganho algum.

Sigo passando pelas páginas com a amarga constatação de que existem mais formas de auferir renda do que sonha minha vã filosofia e que minha displicência nas aulas de Contabilidade e de Finanças me custou bem mais do que uma simples DP na faculdade.  Agora, mais irritada comigo do que com meu bode expiatório, decido salvar a declaração para continuar mais tarde.  Afinal, estamos no final de março e ainda tenho um mês inteiro para seguir protelando esta ingrata tarefa.

 

Por Shelly Zaclis Bronstein – Autoterapia


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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