LUTO E PERDAS – COMO VOCÊ REAGE?

Por Soraya Rodrigues de Aragão, Psicóloga.

Como voce reage às perdas? Quais as estratégias de enfrentamento que voce se utiliza para lidar com a finitude? Quais os recursos internos que voce mobiliza diante dos processos de finalizaçoes, de morte simbolica ou morte fisica?

Voce tem sentimento de posse por seus vinculos afetivos? Tenta ter controle de situaçoes que chegam ao fim?
Falar de morte em nossa sociedade atual é quase um tabu, pois a nossa cultura gratifica e reforça a vida e isto é positivo. Mas a morte, nao faz parte da vida?

Quando falo de luto e morte, nao me refiro somente à morte fisica, mas de qualquer perda ou algo que finaliza. Apesar de que, na nossa trajetòria existencial, vivenciamos toda sorte de perdas, dores e términos, ter uma educaçao preventiva para trabalhar estas questoes nao parece ser uma preocupaçao de primeira ordem em nossa sociedade, pois de fato nao existe lugar para a dor, nem para trabalhar o sofrimento proveniente das perdas.
A felicidade constante é o projeto de vida de todos nòs, mas infelizmente a morte/perda faz parte da vida e precisamos estar preparados pra ela.
Por este motivo, quando perdemos algo ou alguém a quem temos um vinculo afetivo, a dor é imensa, e entao, o processo de luto “bate à nossa porta” trazendo consigo aquele conjunto de reaçoes e sentimentos que se manifestam e que precisam ser elaborados, digeridos, trabalhados.

O processo é delicado, dificil e doloroso, mas necessario. Negamos, nos revoltamos e tentamos negociar de toda maneira possivel para termos de volta o que se foi. Por fim, internalizamos que algo mudou e que precisamos nos apropriar agora de uma nova realidade. No processo de aceitaçao entram em jogo o conjunto de crenças e de percepçoes do enlutado. O apoio familiar bem como a rede de apoio social sao de fundamental relevancia durante o percurso.

Muito interessante a Història do Buda e da semente de Mostarda (Autor Desconhecido), pois aborda o tema com propriedade onde podemos encontrar muitos aspectos inerentes às fases do luto bem como o despreparo e resistencia para processos de perda.

A historia relata que Krisha Gotami teve um filho e este morreu. Transida de dor ia com o filho morto de casa em casa, pedindo um remédio e as pessoas diziam: Esta criança està morta!
Krisha Gotami, enfim, encontrou um camponês que respondeu à sua súplica dizendo:
– Não posso dar um remédio para a criança, porém sei de um médico capaz de dar: O Buda!
Krisha Gotami, então, correu até o Iluminado e exclamou, chorando:
– Senhor meu e Mestre: meu filho estava brincando entre as flores e tropeçou numa serpente que se enroscou em sua perna. Ficou logo pálido e silencioso. Não posso aceitar que ele deixe de brincar ou que deixe o meu colo (fase da negaçao). Senhor meu Mestre, suplico-lhe, dá-me um remédio que cure meu filho!
O Iluminado respondeu:
– Sim irmãzinha, há uma coisa que pode curar teu filho e a ti: procura um simples grão de mostarda, porém só deves recebê-lo de uma casa onde nunca tenha entrado a morte.
Aflita, Krisha Gotami foi de casa em casa pedindo o grão de mostarda (fase da negociaçao). As pessoas se compadeciam dela e lhe davam os grãos, porém, quando ela perguntava se já havia morrido alguém naquela casa, lhe respondiam:
– Ah! Poucos são os vivos e muitos os mortos. Não despertes nossa dor!
Agradecida, ela lhes devolvia os grãos e dirigia-se a outros que lhes diziam:
– Aqui está a semente, porém já morreu nosso pai.
– Aqui está a semente, porém o semeador morreu entre a estação chuvosa e a colheita.
Mas ela não desistia.
“Deve haver alguma casa onde a morte não seja conhecida.”, pensou. Ao entardecer, exausta de tanto caminhar e bater nas portas, então compreendeu: “A morte é parte da vida. Não é uma calamidade pessoal que só tenha acontecido comigo!” (fase da aceitaçao) Com esse entendimento, voltou a Buda.
– Ah Senhor, não pude encontrar sequer um grão de mostarda em casa onde não tenha ocorrido a morte. Então, entre as flores silvestres, na margem do rio, deixei meu filho que não queria mamar nem sorrir, e volto para ver teu rosto e beijar teus pés suplicando-te que me digas o que fazer.

O Mestre respondeu-lhe:
– Minha irmã, procurando o que não podes encontrar achaste o amargo bálsamo que eu queria dar-te. Sobre teu seio, o ser que amas dormiu hoje o sono da morte. Agora já sabes que todo mundo chora uma dor semelhante à tua. O sofrimento que aflige todos os corações pesa menos do que se concentrado num só.
Nenhum nascido pode evitar a morte. Assim como os frutos maduros caem da árvore, assim os mortais estão expostos à morte desde que nascem. A vida corporal do homem acaba partindo-se como a vasilha de barro do oleiro. Jovens e adultos, néscios e sábios, todos estão sujeitos à morte.
Porém, o sábio que conhece a Lei não se perturba, porque nem pelo pranto nem pelo desânimo obtém-se a paz, mas pelo contrário, isso tudo aviva as dores e os sofrimentos do corpo. Embora viva dez ou cem anos, acaba o homem por separar-se de seus parentes ao sair deste mundo. Quem deseja a paz da alma, deve arrancar de sua ferida a flecha do desgosto, da queixa, da lamentação. Feliz será aquele que consegue vencer a dor. Assim, sepulta tu mesma o teu filho.
Extenuada pela dor, Krisha Gotami sentou-se à beira do caminho, pôs-se a meditar no silêncio do entardecer e disse consigo:
“Quão egoísta sou eu em minha dor! A morte é o destino comum de tudo quando vive. Porém, neste vale desolado há um caminho que conduz à imortalidade: aquele que elimina de si todo egoísmo!”

Para refletir:

Precisamos ter uma cultura que proporcione o trabalho do luto. Dor nao elaborada é o substrato de sentimentos e sintomas que nao conseguimos compreender de onde veio e porque existem. Ignora-los nao farà com que desapareça, eles continuarao mais presentes e vivos que nunca.


Soraya Rodrigues de Aragao

Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Escritora e palestrante. Autora do livro Fechamento de ciclo e renascimento.Sites: www.sorayapsicologa e www.alquimiadavida.org/livros

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