Seja voz, não eco

No último final de semana fui a uma festa e encontrei um amigo de que gosto muito, mas que infelizmente vejo pouco. Meu marido perguntou qual era o significado da sua nova tatuagem, e ele respondeu “seja voz, não seja eco” e acrescentou, em tom de brincadeira, que escolheu fazer a inscrição em hebraico para deixá-la mais misteriosa. Acho que realmente funcionou: trata-se de uma reflexão poderosa para ser eternizada – e interiorizada – e nos caracteres semíticos ficou ainda mais bacana. A conversa foi rápida e totalmente entrecortada pelos altos decibéis da pista de dança, mas o conceito de “ser voz” continuou ecoando dentro de mim durante o resto da semana.

Sei que o significado da citação é amplo e acredito que seu sentido mais profundo esteja relacionado com uma postura corajosa perante a vida: precisamos aprender a desbravar nossas próprias trilhas, assegurar que nossas escolhas sejam genuinamente nossas. Mas com esse pensamento fresco dentro de minha cabeça, pude constatar como pode ser fácil nos perdermos nos ecos dos outros nas pequeníssimas condutas automáticas do dia-a-dia. Se não estivermos conscientes, é grande a possibilidade de estarmos apenas reverberando opiniões alheias, seja nas reuniões de trabalho, nas conversas de corredor, seja nas redes sociais ou no bate-papo com os amigos, seja na conversa com a esposa ou com o marido, e até na troca de ideia com nossos filhos.

Somos demasiadamente condicionados a repetir aquilo que nossos ouvidos se acostumaram a ouvir nos últimos dias, meses ou anos. Em uma ou duas reuniões de trabalho nessa semana, me peguei no pulo antes de ventilar conjecturas. Percebi que algumas delas nada mais eram do que hipóteses requentadas que eu nunca tinha me dado ao trabalho de checar se procedem ou se são mais um daqueles mitos corporativos que acabam virando verdade de tanto que são passados adiante. Estamos na era dos dados, e basta-me rodar alguns relatórios para me inteirar – em primeiríssima mão – se aquela suposição merece estar na nossa pauta de preocupações e prioridades, ou se minha missão mais nobre seria justamente a de romper o telefone sem fio.

Se no universo corporativo, a falta de raciocínio crítico e de esforço na busca de entendimento pode levar a uma decisão equivocada, em outras esferas da vida, o efeito “manada” pode ser ainda mais devastador. Às vezes repetimos postulados, condutas ou comportamentos sem nos permitir acessar a realidade dos fatos, ou então – e ainda mais importante – sem nos permitir acessar aquele espaço íntimo onde sabemos se o dito ou feito realmente ecoa nossa essência e autenticidade. Acredito que a originalidade não venha do esforço de ser único e diferente, mas sim de uma coragem de ser quem se é. Feliz ou infelizmente, não há certo e errado para a grande maioria das situações da vida. Existe apenas a possibilidade de alcançar – mesmo que através do pensar intuitivo e não racional – aquilo que faz vibrar as sinapses do nosso corpo, e nos permite identificar nossa própria voz em meio a tanto ruído.

 

Por Shelly Zaclis Bronstein – Autoterapia


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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