Imagem é nada, sede é tudo

Em um supermercado perto de casa, quando uma mulher jovial em seus setenta anos tirou da bolsa umas 3 ou 4 sacolinhas plásticas para embalar as compras, o rapaz entre nós na fila foi rápido em atacar: “a senhora não deveria usar sacolas plásticas, pois elas poluem o meio-ambiente”. Mesmo a mulher usando óculos escuros, quase pude ver seus olhinhos rolando para cima. Mas diferentemente do que eu havia previsto, sua reação não foi de impaciência, muito pelo contrário. Com uma atitude educada e delicada, explicou que usava aqueles saquinhos justamente como forma de proteger a natureza. Talvez eles não deveriam ter sido produzidos, mas agora que já existiam e que haviam chegado às suas mãos, deveriam ser utilizados e reutilizados à exaustão, como ela fazia religiosamente, levando as mesmas sacolinhas em um compartimento da bolsa para usá-las sempre que precisasse entrar no mercado ou na farmácia.

Ela disse que esta era sua forma de reciclá-las, justamente para evitar o descarte desnecessário. Quando estivessem desgastadas e não servissem mais para aquela função, ela mesma as levaria para a fábrica de um amigo que utiliza plástico reciclado como matéria-prima para produzir cerdas para vassouras e escovas. Disse que fazia aquele ritual a cada dois meses com as garrafas de água e bebidas, e também com as embalagens de produtos de limpeza. Explicou que procurava substituí-las sempre que possível, mas que às vezes era inevitável adquiri-las e nessas horas ao menos se certificava de estar levando as embalagens de plástico com menor densidade e, portanto, mais fáceis de reciclar ou as de plástico verde, uma resina feita de fonte renovável.

Mesmo não tendo nada a ver com nada (ou quem sabe, tendo tudo a ver com tudo), a referência às garrafas PET me fez lembrar daquela propaganda de refrigerante que dizia “imagem não é nada, sede é tudo”. Sede de conhecimento, pelo menos, é quase tudo. Ela fechou com um epílogo falando sobre seu amigo, sobre a tal empresa de vassouras, e sobre as pessoas que ali trabalhavam. Eu e minhas sacolas reutilizáveis de polipropileno estampadas com bananas e margaridas atrasamos uns bons dez minutos até chegar nossa vez no caixa, mas pelo menos senti que aprendi algumas coisinhas novas. No mínimo, uma boa lição de como manter a cortesia e a curiosidade sempre acesas. Quanto ao rapaz, impaciente com sua ecobag 100% algodão a tiracolo, não sei se gostou da resposta. Não soube muito bem como contestar, mas fez uma cara esquisita, e pareceu bem mais preocupado em não poluir sua imagem ecologicamente correta do que com o lixo oceânico.

 

Por Shelly Zaclis Bronstein – Autoterapia


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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